13/07/2013

Resposta a um jovem conformista

 Chamou-me a atenção um comentário  entre vários postados no facebook da plataforma "Que se lixe a troika":

"X.: Concordo com o PR, eleições não são a solução. Basta olhar a Bolsa: se os juros só com esta crise já dispararam, imaginem com a queda do governo. Além disso, a troika é que nos paga os salários e não iria aceitar a queda do governo. Não concordo com este governo ou com a troika, mas acho que não temos dinheiro para brincar aos governos".


É um comentário que traduz a mentalidade da minoria social que ainda apoia este governo e a absurda política da "troika". Mas é também a propaganda típica das agências de desinformação pagas para assediar os media, fazendo-se passar por "gente com dúvidas", quando em ambientes anti-troika.

Aqui vai a minha resposta.



Caro X.:

A sua pouca idade talvez explique em parte um comentário tão simplista. Mas sei que muita gente madura, com a cabeça cheia de "teias de aranha",  pensa do mesmo modo. Esta resposta é, pois, extensiva a todos os que têm ideias turvas como as suas.

1º ponto. A troika é que nos paga os salários?

Saiba que a troika não paga, nem dá nada a ninguém! 
Eles emprestam dinheiro, sim, como o FMI fez já com muitos países, não por altruismo, mas na base de juros predadores. Embora o verdadeiro objetivo seja o de nos amarrarem a políticas que convêm à Alemanha e a alguns outros. Essas políticas, baseadas no euro forte e no "livre comércio" garantem, às multinacionais europeias e a alguns países, os seus gigantescos negócios no mercado global, mas destroem as empresas e os  países mais vulneráveis.
Acha que é por acaso que a crise das dívidas soberanas surge em todos os países após a entrada em vigor do euro? 

2º ponto. Precisamos que o governo continue?

Não, pelo contrário! A política deste desGoverno e da UE-FMI traduz-se de facto num endividamento cada vez maior. 

Convido-o a usar este link - trata-se de um artigo do Le Monde, que exibe números recentes do nosso desastre económico, mostrando os efeitos da política dum governo que desde que entrou promete que "para o ano é que a economia vai recuperar".

Mas como poderia recuperar, se nos anos recentes, esse tipo de medidas só fez piorar? E como vai melhorar, quando o desGoverno se propõe cortar ainda mais 4,7 mil milhões de euros proximamente, ou seja, aplicar mais da mesma política??

3º ponto. Devemos discordar deste governo e da troika?

Mal seria que alguém ainda concordasse com uma política tão destrutiva.
Uma política tão má, tão má,  que nem os próprios seguidores já conseguem declarar-lhe apoio abertamente. Quem está desse lado, sabe que a única forma de quebrar a crescente insatisfação popular é propagar o sentimento de impotência, tipo: "é mau, mas temos que aguentar".

Mas os detalhes desta política são importantes. Como a previsível entrega ao estrangeiro do que resta das nossas grandes empresas e recursos - TAP, CTT, Águas, EDP, bancos.
Nas últimas duas décadas, PS / PSD / CDS não pararam de privatizar. Que ganhou o País com isso? Nada. Pelo contrário, não só os preços ao público subiram, como o Estado perdeu milhões em lucros da PT, da GALP, da Cimpor, da EDP, milhões que eram essenciais para reduzir o défice. 

Em suma, esta política não só não melhorou, como leva cada vez mais à dependência e ao descontrolo da dívida. A sua continuação  põe o sério risco de resvalarmos para níveis do 3º Mundo. E de as pessoas da sua geração só encontrarem empregos qualificados no estrangeiro, dado que os centros de decisão das grandes empresas estão a ser retirados de Portugal.

4º ponto. Eleições não são a solução?

As eleições antecipadas são preferíveis a manter no poder gente que segue uma política capitulacionista de traição aos interesses nacionais.

Você dirá, com Passos Coelho, que é o contrário, esta política é que salva o país, porque obedecendo à troika garantiremos em breve o "regresso aos mercados e à normalidade"

Mas isso é uma trágica ilusão. Pensar-se em pagar em 5 anos, em média, uma dívida externa bruta que é 2,3 vezes o PIB ou uma dívida externa líquida que é igual ao PIB (valores que variam, conforme a cotação das OTs no mercado), e uma dívida pública que em breve atingirá 1,5 vezes esse mesmo PIB, a que acrescem os juros de tudo isso, é impossível. Fazendo um rápido cálculo - ver o quadro a seguir - mostra-se que só e apenas para pagar os juros anuais da dívida líquida, seria preciso sacrificar em torno de 10% do PIB.

Nota técnica: no quadro, aos juros da dívida externa líquida, soma-se apenas a parte dos juros da dívida pública que é interna, cerca de 1/3, uma vez que na dívida externa já está incluída a parte da dívida pública que é externa.



Fontes: B.de P. (Dív.ext.líq.), Eurostat (Dív.púb.) e Index Mundi (Dív.ext.total)


Significa isto que o País, só para  pagar os juros,  evitando fazer mais cortes, tinha que crescer uns 10% ao ano, o que é impossível para uma economia madura, como qualquer economista sabe. Os próprios  países emergentes raramente atingiram esse valores, mesmo nas melhores fases.

Pode assim ver que todos os sacrifícios e injustiças impostos não servem para nada, a não ser para nos enfeudar à UE + FMI e a quem manda neles. Os números não mentem. Se alguém quiser, pode fazer variações neste modelo de cálculo dos custos da dívida, como baixar a taxa de juro em 1 ou 2%. Mesmo assim, seria impossível o país produzir o suficiente para pagar juros com aquele nível de endividamento, com a realidade atual da economia portuguesa e o contexto estagnante da Europa e, em menor grau, do mundo.

Portanto, só com o perdão de uma parte substancial da dívida e a descida dos juros para níveis da Euribor  - o que não seria nada de mais, qualquer particular consegue isso numa boa negociação - será  possível o País reentrar num caminho de recuperação económica. Tudo o resto é falácia.

5º ponto. A troika não aceita - será o desastre?

Lá vem a chantagem. 
É verdade que se decidirmos romper com a troika, sofreremos enorme chantagem financeira, como eles fizeram com Chipre, Grécia e mesmo com Portugal, Irlanda, Espanha, Itália e outros. Quando se toma um caminho novo, há riscos e há que estar preparado para tudo.

Sejamos claros: exigir a renegociação da dívida é uma decisão histórica. Mas é inevitável. Ao tomá-la, temos que estar preparados para enfrentar todas as dificuldades, como quando um país entra em guerra. Aliás, nós já estamos em guerra, o País está a ser bombardeado economicamente, só que as camadas de fumo ideológico lançadas - de que a sua é um exemplo - evitam que isso já seja claro para todos.

Seguir uma via nova, implica reconverter a economia e tornarmo-nos menos dependentes duma só região, como sucede atualmente face à Europa, e isso implica sacrifícios. Não tenho ilusões, nem as espalho, como fazem os partidos em geral.

Há alturas na vida em que decisões graves têm que ser tomadas. Esta é uma delas. Como em 1640, quando o país decidiu entrar em guerra com Espanha, para recuperar a sua independência. Ou em 1808, quando a liderança do País decidiu mudar-se para o Brasil, evitando a anexação pela França.
Pela via da troika, note-se, os sacrifícios não serão menores, só que em vez de se resolverem os problemas, eles agravam-se.


6º ponto.  Mas existem mesmo alternativas?

Não só existem como, mais que isso, são a única via patriótica e lúcida, mas passam dum modo ou doutro pela ruptura com a política da troika

A vantagem desta ruptura é que, após os sacrifícios, (re)ganharemos a independência. Portugal está na Europa, espaço geográfico do qual não pode separar-se fisicamente, como propunha a metáfora de Saramago. A única via realista é Portugal assumir mesmo a liderança dum novo movimento na Europa, estabelecendo alianças que permitam a esta libertar-se dos poderes monopolistas que engendraram esta via suicidária que nos torna a todos meros súbditos feudais. 

É que o ataque em curso visa direitos que levaram séculos a consolidar: a semana de trabalho das 35 horas, a proteção às crianças e aos idosos, o livre acesso à educação e à saúde, a igualdade entre homens e mulheres, a salvaguarda das minorias étnicas, nacionais ou de qualquer outro tipo, para além das próprias liberdades fundamentais e da democracia.

Para o nosso jovem X, talvez estes direitos sejam irrelevantes. Cresceu  provavelmente sob o bombardeio da propaganda de surreais tecnologias, do empreendedorismo milagroso, e de belas carreiras ali à mão de semear. Trocado em miúdos, uma propaganda em prol do dinheiro e da pura mercantilização  da vida.

Eu sou duma geração que lutou por ideais que privilegiavam o coletivo em relação ao individual, e que, embora respeitando o indivíduo mais que nunca, não propunham a mera salvação pessoal em detrimento do interesse coletivo. Uma geração que assistiu a todos esses fantásticos progressos na indústria, na agricultura, na organização, nas ciências e tecnologias que garantiam uma vida melhor, com jornada de trabalho mais curta e menos penosa. Afinal, não era esse o objetivo das imensas inovações, produzir mais com menos trabalho e menos desperdício? Para onde foram, então, os gigantescos ganhos obtidos nas últimas décadas?

Nunca se produziu tanto como agora. Se não há dinheiro para o interesse coletivo, é porque ele foi desviado para minorias e para países terceiros. Não há outra explicação possível.

Ninguém, há 40 anos, acreditaria que os ideais políticos dessa época e sobretudo uma eficácia e progresso técnico e cultural de décadas, viessem a degenerar neste descalabro do desemprego maciço e sem esperança. Ou dos contínuos aumentos da idade de reforma e  cortes nas pensões. Ou do aumento brutal dos impostosOu dos crescentes cortes em funções sociais básicas.

É por tudo isso que qualquer solução é preferível à chantagem da troika, deste desGoverno, e suas políticas de destruição. É por isso que este governo - parafraseando Eça de Queiroz - tem que ser rapidamente removido, como uma nódoa

Só então se iniciará o verdadeiro trabalho de salvação nacional, de que falava retoricamente o Presidente da República na sua última alocução ao País.







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