23/02/2014

Da Ucrânia, com amor

Eis o meu comentário a este artigo inserto no blogue "Da Rússia", do jornalista José Milhazes 

Vejo pelos comentários ao blogue em referência que há muita desinformação inclusive dos que se acham tão espertos que já fizeram "o filme todo" da situação. Presunção e água benta, cada um toma a que quer...

O que eu sei - e sei pouco, sei-o nomeadamente por informações pessoais de ucranianos amigos que moram na minha zona - é que na Ucrânia, independentemente dos vários governos que passaram, a corrupção é generalizada, paga-se por baixo da mesa para se ser tratado no hospital público gratuito (onde, apesar disso,se é melhor tratado que em muitos hospitais da área metropolitana de  Lisboa), ou que só corrompendo a polícia se passa na fronteira sem problemas, mesmo tendo todos os papéis legais. E sei que há muita pobreza e desemprego - se assim não fosse, com a crise que grassa em Portugal, os imigrantes ucranianos  já tinham regressado todos. Alguns fizeram-no, é certo, mas uma boa parte continua por cá, mesmo a viver de subsídios ou biscates, nalguns casos.




O Partido Comunista ucraniano apoiava o corrupto Ianukovitch, que acaba de ser deposto, o que mostra bem o papel e as responsabilidades no degradar da situação social duma certa esquerda tradicional, como refiro abaixo. Seria bom os militantes deste tipo de partidos refletirem sobre os abismos para onde a sua cegueria partidária os pode levar.
(clique a seguir para prosseguir a leitura)
E parece que a ditadura burocrática da UE (também corrupta, embora em formas de corrupção  bem escondidas porque estruturadas ao longo de séculos de capitalismo)  aliada ao império do dólar falso (EUA)  acabarão por se entender com Putin  para novas eleições já que, a não haver um entendimento, a alternativa  é a secessão do sudeste da Ucrânia e a continuação da instabilidade na zona com o aumento da tensão entre a plutocracia russa e o império neoliberal do dólar e do euro.

Quanto ao facto de grupos neonazis dirigirem uma parte dos revoltosos, parece confirmar-se, mas isso não quer dizer que a maioria dos manifestantes seja fascista.

Leio nesta notícia (http://www.jpost.com/Jewish-World/Jewish-News/Despite-calls-for-neutrality-in-Ukraine-protests-young-Jews-are-on-the-front-lines-334907) que também há jovens judeus a lutar nas barricadas, embora as lideranças judaicas ucranianas apelassem à neutralidade dos judeus locais.

E Iulia Timoshenko, a rica tecnocrata originária do leste do país, antiga 1ª ministra pró-UE,  ao sair agora da prisão como parte do acordo entre governo e oposição que destituiu o seu inimigo Ianukovitch, dirigiu-se aos manifestantes apelando a que continuem nas ruas até a situação ficar clara.

A ascenção de neofascistas na Ucrânia, Hungria, França, Grécia e muitos outros países, porém,  é um facto, variando o grau de país para país.

Tal fica a dever-se ao descontentamento e desorientação das populações face a uma ordem mundial (globalização) opressiva para os povos, ordem que põe em causa as identidades nacionais, e às chamadas políticas de austeridade, que mais não são que uma forma de pilhagem pela qual o grande capital financeiro ocidental se apropria de fatias do rendimento das classes médias nos países que domina, classes que tinham conseguido progredir bastante na fase anterior do capitalismo. 

Sem esquecer o papel dos partidos capitulacionistas de esquerda, exactamente aqueles em que alguns insistem que se vote acenando com o papão da direita. Mas o efeito é exatamente o contrário, como vemos pelos efeitos na Ucrânia, com o PC local a apoiar Ianukovich, ou na França, com o PS no poder, e a extrema direita de M. Le Pen já à frente (escandalosamente) nas sondagens.

Hoje, com a entrada em cena de muitos países que eram do 3º Mundo, esses países ascendentes - como a China, o Brasil, a Índia, etc. - tomam para si uma fatia crescente do Rendimento mundial, e o grande capital financeiro ocidental, depois das pesadas perdas sofridas com a crise de 2008, vê-se obrigado a recuperá-lo através do puro saque às suas próprias classes médias e aos países onde domina.

Que bom que era ter colónias, não era? Hoje já não dá - acabou - e o grande capital financeiro tem que se virar pra outros lados.

Cada pessoa, cada grupo social, reage como pode e sabe. Os povos, muitas vezes, só sabem reagir com os pés, principalmente quando foram despolitizados e depois de verem muitos políticos "democráticos" tirar-lhes o tapete sistematicamente. ao longo dos anos.

NOTA: Face aos últimos desenvolvimentos, torna-se notório que, enquanto a plutocracia russa parece ter sido apanhada de surpresa pelo rápido desfecho da situação favorável a uma Ucrânia pró-ocidental, já as diplomacias da UE e dos EUA - que se mantiveram quase silenciosas no auge da rebelião - dão mostras, pela rápida reação, de "terem tudo sob controle", sinal de que na sombra os seus serviços secretos estavam muito provavelmente por detrás de algumas das facções. É muito provável que a CIA tenha bem ativos, devidamente atualizados, os seus velhos programas de subversão, os mesmos que derrubaram Allende e tantos outros governos latino-americanos, que usaram os fundamentalistas islâmicos para combater os russos no Afeganistão, e que mais recentemente, articulados com os franceses e os israelitas, "fizeram a folha" a vários regimes árabes, como o do "perigoso Kadafi". 

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